quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A PERGUNTA DE JESUS E O SILÊNCIO DE JUDAS




LEITURA BÍBLICA: “Falava Ele ainda, e eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande turba com espadas e cacetes, vinda da parte dos principais sacerdotes e dos anciãos do povo. Ora, o traidor lhes havia dado este sinal: Aquele a quem eu beijar, é esse: prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, lhe disse: Salve, Mestre! E o beijou. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, para que vieste? Nisto, aproximando-se eles, deitaram as mãos em Jesus, e o prenderam. E Eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, sacou da espada, e, golpeando o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe a orelha. Então Jesus lhe disse: Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada, à espada perecerão. Acaso pensas que não posso rogar a meu Pai, e Ele me mandaria neste momento mais de doze legiões* de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder? Naquele momento disse Jesus às multidões: Saístes com espadas e cacetes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no templo, Eu me assentava [convosco] ensinando, e não me prendestes. Tudo isto, porém, aconteceu para que se cumprissem as Escrituras dos profetas. Então os discípulos todos, deixando-o, fugiram.” (Mateus 26:47-56)

(* Naquele tempo uma legião romana era constituída de 3 a 6 mil soldados)

     INTRODUÇÃO: Prezados irmãos:

     Solene o cenário, e solene a cena do momento histórico: Enquanto Jesus, às sombras do Gethsemane, lutava com os horrores da agonia, e seu corpo se ruborizava de sangue ao peso imane dos pecados do mundo, aproximava-se dele o maior dos pecadores – Judas, o “homem de Karioth” (por isso chamado JUDAS ISCARIOTES, que quer dizer JUDAS, HOMEM (ISC) KARIOTH (CIDADE)), à frente de uma quadrilha de soldados romanos, fariseus e servos do sumo sacerdote Caifás.

     O Apóstolo apóstata, na qualidade de amigo e confidente do Nazareno, conhecia-lhe os costumes, e sabia que havia de passar aquela noite no Horto da Oliveiras.

     Resolveu, pois, executar nessa noite o seu sinistro atentado. Foi oferecer-se espontaneamente aos inimigos mortais de Jesus e disse-lhes: “Que quereis dar-me para eu vo-lo entregar?”

     O discípulo vai separar-se definitivamente do Mestre, mas quer fazer desta separação um bom negócio; não quer entregar de graça seu amigo e benfeitor; a última cortada há de render-lhe ao menos um bom punhado de metal sonante.

     Os sacerdotes e magistrados prometeram dar-lhe trinta moedas de prata. Judas aceita e fecha-se o negócio.

     Jesus está vendido! Em vista deste oferecimento espontâneo de Iscariotes, resolveu o Sinédrio antecipar a prisão do odiado Nazareno, que fora marcada só para depois da Páscoa. A ocasião era propícia, e convinha não perder semelhante oportunidade. Reuniram, pois, a sua gente, requisitando, além disto, um destacamento militar ao governador romano. Contavam, evidentemente, com uma forte oposição da parte dos discípulos do Nazareno.

     Era noite de luar. Mas à sombra das oliveiras do Gethsemanenão era fácil distinguir um vulto do outro. Por isso, tinha Judas combinado com os esbirros (empregados menores) do Sinédrio esta senha: “Aquele a quem eu beijar, esse é; prendei-o e conduzi-o com cuidado.”

     Não é possível sondarmos as tenebrosas profundezas dessa alma humana. A psiquê do “homem de Karioth” é um dos maiores enigmas do Evangelho e da história da humanidade. Escolhido por Jesus para a missão sublime do apostolado, não é crível que fosse um perverso desde o princípio. O que Judas se revela nestes últimos dias é um resultado duma evolução infeliz de três anos. É o fruto maduro daquele triênio de graças divinas repelidas e frustradas. A contínua e imediata convivência com o mais perfeito dos homens não valeu santificar um homem chamado para as culminâncias (auge) da virtude e do heroísmo moral. Todas as bondades do Divino Mestre, todas as finezas da sua amizade, todos os prodígios do seu poder, todas as maravilhas do seu amor, toda a fascinação da sua personalidade, todos os fulgores (brilhos, esplendores) da sua doutrina, todas as solicitudes (cuidados) materiais do seu coração – Nada, nada conseguiu impedir que esse Apóstolo se tornasse um apóstata, que esse filho de Deus se convertesse em “filho da perdição”.

     Mistério da liberdade humana!...

     Deus não condena pessoa alguma; o homem se condena a si mesmo; tem nas mãos as chances do céu e do inferno; conforme o uso ou abuso que delas fizer, entrará no reino da luz ou no reino das trevas.

     “O reino de Deus está dentro de vós!” – dizia Jesus.

     E o reino de Satã também está dentro do homem.

     Não há queda mais desastrosa que a descida das alturas da predileção divina...

     A história da traição de Judas vem toda entretecida (entrelaçada) de requites da perversidade: Ele é um dos doze, um dos confidentes íntimos dos segredos do Nazareno; o pavoroso crime consuma-se na mesma noite em que Jesus instituira o eterno memorial do seu amor; o infame delito é remunerado com dinheiro; um ósculo (beijo), o mais delicado e eloquente sinal do amor, serve de senha para o maior mistério do ódio e da traição...

     Achava-se ainda a quadrilha inimiga do lado de fora do muro, quando Judas, para não parecer caudilho (líder) dos esbirros, se adiantou a largos passos, aproximou-se de Jesus, cingiu-o nos braços (abraçou-lhe) e estampou-lhe na face um beijo dizendo: “Salve, Mestre!”

     Jesus contempla por uns momentos o semblante de Iscariotes. Pela última vez se embebem as pupilas límpidas do Nazareno nos olhos torvos (de aspecto carregado) do traidor, assim como os raios solares penetram nas sórdidas profundezas de um precipício. Pela vez derradeira ecoa o timbre da sua voz aos ouvidos do apóstata, voz que este nunca mais tornaria a ouvir por toda a eternidade. Disse-lhe Jesus num tom de infinita tristeza e caridade: “Amigo, a que vieste?”

     A PERGUNTA DE JESUS: “Amigo, a que vieste?”

     Jesus não ignorava, de certo, o propósito de Iscariotes, pois que, além da sua onisciência, como divino que o era, algum tempo antes havia denunciado, à mesa da Ceia, Judas como traidor, ofertando-lhe o pão molhado (João 13: 21-27).

     Por que, então, o interroga aqui?

     Porque desejava dar-lhe, ainda, uma oportunidade para refletir sobre seu ato, sobre seu estado moral e espiritual e sobre sua sorte, ao persistir na ladeira escorregadia do pecado hediondo de um maldito fadário (destino), reflexão essa para que se arrependesse, para que se corrigisse e se salvasse. De fato, a interrogação era como que uma seta lançada na alma para despertar a consciência adormecida, ou melhor, cauterizada. Obrigava-o a um olhar introspectivo, um auto-exame de sua situação e era um como apelo a mudar de rumo, a tomar nova orientação, enquanto ainda havia tempo, antes que fosse tarde de mais...

     Aliás, era esse o seu método em situações de igual natureza. “Dura cousa é recalcitrares (resistir desobedecendo) contra os aguilhões (instrumento de suplicio para os escravos e especialmente para os animais)” (Atos 26:14) – diz Ele a Saulo de Tarso, em sua fúria no caminho de Damasco (Atos 9:1-16). Ao anjo ou pastor da Igreja de Éfeso, pelo fato de haver abandonado o primeiro amor, dirige a exortação para arrependimento, se não, lhe remove o candeeiro (Apocalipse 2:5): dissolve ou dispersa a Igreja, que é o candeeiro, como diz no Apocalipse 1:20: “...os sete candeeiros são as sete igrejas”.

     A lição é todo oportuna: todo o tempo é tempo de arrependimento e correção para reconstrução do caráter. Basta mirar no espelho da Parábola do Filho Pródigo, em que este cai em si, volta contrito ao pai e se reforma e se transforma e readquire a felicidade perdida (Lucas 15:11-32).

     Oh! Que esta lição seja acolhida com carinho e se converta em fonte inexaurível (inesgotável) de bençãos para muitas almas transviadas, que procurem o regaço (colo) amoroso do Pai Supremo, de nosso Pai que está no céu, mas que vela e se interessa por seus filhos na terra!...

     Notemos, também, o modo de Jesus tratar o traidor: “Amigo”.

     O emprego da palavra “amigo” aí, é chocante. Poderia acaso ser Judas amigo de Jesus, precisamente no momento em que consumava a ignóbil traição? Tudo leva a crer que não. Supõe-se que Jesus tivesse empregado ironicamente essa palavra. Assim: Tu me osculas, e o ósculo é o símbolo da amizade; és amigo e me traís? Bom amigo!...

     Mas, a explicação mais satisfatória se encontra na palavra empregada por Cristo. Vejamos.

     Há, em grego, duas palavras que podem ser traduzidas por amigo, mas que podem ser bem discriminadas:

a)  Philos”, que significa literalmente, amigo, no sentido comum de amado, querido, particularmente considerado e digno de confiança especial. Exemplifiquemos o emprego desta palavra: Jesus é chamado para curar o servo de um centurião, e Lucas, registrando o fato, insere esta declaração na narrativa: “...o centurião enviou-lhe amigos (philos)...” (Lucas 7:6). No caso dos primeiros lugares ambicionados, aconselha a buscar os últimos e aguardar o gesto honroso do dono da festa, se o julgar digno disso: “Amigo (philos), senta-te mais para cima” (Lucas 14:10).

b)  Hetairos” é outra palavra, e significa literalmente, companheiro, e só em sentido secundário, lato, pode ser traduzida por “amigo”. Seu emprego discriminado de amigo, aparece, não raro no Novo Testamento. Exemplos: Na parábola dos camaradas contratados em diferentes horas do mesmo dia, o primeiro reclama contra o pagamento igual a todos. E a resposta do patrão foi: “Companheiro (“hetaire”), não te faço injustiça...”(Mateus 20:13). Recebeu o contratado: Nada tinha a reclamar da generosidade dispensada ao último. No registro da parábola do casamento de um príncipe, o rei inspeciona os convivas e se dirige a um deles: “Companheiro (“hetaire”), como entraste aqui sem veste nupcial?...” (Mateus 22:12). No texto Cristo diz: “Companheiro (“hetaire”), a que vieste?

Percebe-se, agora, mais claro, pela linguagem, o pensamento de Jesus: Chamou Judas de companheiro, que o era, de fato, porque o acompanhava; mas não o chamou de amigo, pois que entre companheiro e amigo, há sua discriminação: há amigo que não é companheiro; e há companheiro que não é amigo. Nicodemos, por exemplo, era amigo, mas não era companheiro; e Judas era companheiro, mas não era amigo.

     Aí está a explicação razoável do modo de Jesus tratar o traidor: não amigo, mas companheiro.

     Notemos, ainda, em conexão com o texto, a aplicação que se fazia da palavra amigo, desde os tempos remotos.

     Além do sentido ordinário, como a empregamos, era usada em duas expressões interessantes:

a)  AMIGO DO REI = Era o nome de distinção que se dava a um oficial de alta categoria e de toda a confiança do Rei. Exemplo: “Zabude, filho de Natã, ministro, amigo do rei” (I Reis 4:5), nos dias de Salomão. Entre os sírios – macedônios, havia uma classe de altos funcionários denominados – AMIGOS DO REI.

b)  AMIGO DO ESPOSO = Em regra, o pai era que escolhia noiva para o filho. Só excepcionalmente é que o filho a escolhia. Depois de aceito o pedido, todas as comunicações entre os noivos eram feitas por intermédio de um indivíduo da intimidade do noivo, indivíduo esse que se chamava: AMIGO DO ESPOSO. Os noivos só se encontravam na festa nupcial, quando terminava a missão do Amigo do Esposo, que se alegrava com a consumação do enlace matrimonial. Em alusão a esse costume, considerando Cristo como Esposo e a Igreja como Esposa, é que João Batista se coloca na posição de Amigo do Esposo, e diz: “Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: Eu não sou o Cristo, mas fui enviado como seu precursor. O que tem a noiva é o noivo; o amigo do noivo que está presente e ou ouve, muito se regozija por causa da voz do noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim. Convém que Ele cresça e que Eu diminua.” (João 3:28)

Tal o emprego da palavra Amigo, nas páginas da Escritura Sagrada.

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