LEITURA BÍBLICA:
“Falava Ele ainda, e eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande turba
com espadas e cacetes, vinda da parte dos principais sacerdotes e dos anciãos
do povo. Ora, o traidor lhes havia dado este sinal: Aquele a quem eu beijar, é
esse: prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, lhe disse: Salve, Mestre! E o
beijou. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, para que vieste? Nisto, aproximando-se
eles, deitaram as mãos em Jesus, e o prenderam. E Eis que um dos que estavam
com Jesus, estendendo a mão, sacou da espada, e, golpeando o servo do sumo
sacerdote, cortou-lhe a orelha. Então Jesus lhe disse: Embainha a tua espada;
pois todos os que lançam mão da espada, à espada perecerão. Acaso pensas que
não posso rogar a meu Pai, e Ele me mandaria neste momento mais de doze
legiões* de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais
assim deve suceder? Naquele momento disse Jesus às multidões: Saístes com
espadas e cacetes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no
templo, Eu me assentava [convosco] ensinando, e não me prendestes. Tudo isto,
porém, aconteceu para que se cumprissem as Escrituras dos profetas. Então os
discípulos todos, deixando-o, fugiram.” (Mateus 26:47-56)
(* Naquele tempo uma legião
romana era constituída de 3 a 6 mil soldados)
INTRODUÇÃO: Prezados
irmãos:
Solene o cenário, e solene a
cena do momento histórico: Enquanto Jesus, às sombras do Gethsemane, lutava com
os horrores da agonia, e seu corpo se ruborizava de sangue ao peso imane dos
pecados do mundo, aproximava-se dele o maior dos pecadores – Judas, o “homem de
Karioth” (por isso chamado JUDAS ISCARIOTES, que quer dizer JUDAS, HOMEM (ISC)
KARIOTH (CIDADE)), à frente de uma quadrilha de soldados romanos, fariseus e
servos do sumo sacerdote Caifás.
O Apóstolo apóstata, na
qualidade de amigo e confidente do Nazareno, conhecia-lhe os costumes, e sabia
que havia de passar aquela noite no Horto da Oliveiras.
Resolveu, pois, executar nessa
noite o seu sinistro atentado. Foi oferecer-se espontaneamente aos inimigos
mortais de Jesus e disse-lhes: “Que quereis dar-me para eu vo-lo entregar?”
O discípulo vai separar-se
definitivamente do Mestre, mas quer fazer desta separação um bom negócio; não
quer entregar de graça seu amigo e benfeitor; a última cortada há de render-lhe
ao menos um bom punhado de metal sonante.
Os sacerdotes e magistrados
prometeram dar-lhe trinta moedas de prata. Judas aceita e fecha-se o negócio.
Jesus está vendido! Em vista
deste oferecimento espontâneo de Iscariotes, resolveu o Sinédrio antecipar a
prisão do odiado Nazareno, que fora marcada só para depois da Páscoa. A ocasião
era propícia, e convinha não perder semelhante oportunidade. Reuniram, pois, a
sua gente, requisitando, além disto, um destacamento militar ao governador
romano. Contavam, evidentemente, com uma forte oposição da parte dos discípulos
do Nazareno.
Era noite de luar. Mas à
sombra das oliveiras do Gethsemanenão era fácil distinguir um vulto do outro.
Por isso, tinha Judas combinado com os esbirros (empregados menores) do
Sinédrio esta senha: “Aquele a quem eu beijar, esse é; prendei-o e conduzi-o
com cuidado.”
Não é possível sondarmos as
tenebrosas profundezas dessa alma humana. A psiquê do “homem de Karioth” é um
dos maiores enigmas do Evangelho e da história da humanidade. Escolhido por
Jesus para a missão sublime do apostolado, não é crível que fosse um perverso
desde o princípio. O que Judas se revela nestes últimos dias é um resultado
duma evolução infeliz de três anos. É o fruto maduro daquele triênio de graças
divinas repelidas e frustradas. A contínua e imediata convivência com o mais
perfeito dos homens não valeu santificar um homem chamado para as culminâncias
(auge) da virtude e do heroísmo moral. Todas as bondades do Divino Mestre,
todas as finezas da sua amizade, todos os prodígios do seu poder, todas as
maravilhas do seu amor, toda a fascinação da sua personalidade, todos os
fulgores (brilhos, esplendores) da sua doutrina, todas as solicitudes
(cuidados) materiais do seu coração – Nada, nada conseguiu impedir que esse
Apóstolo se tornasse um apóstata, que esse filho de Deus se convertesse em
“filho da perdição”.
Mistério da liberdade
humana!...
Deus não condena pessoa
alguma; o homem se condena a si mesmo; tem nas mãos as chances do céu e do
inferno; conforme o uso ou abuso que delas fizer, entrará no reino da luz ou no
reino das trevas.
“O reino de Deus está dentro
de vós!” – dizia Jesus.
E o reino de Satã também está
dentro do homem.
Não há queda mais desastrosa
que a descida das alturas da predileção divina...
A história da traição de Judas
vem toda entretecida (entrelaçada) de requites da perversidade: Ele é um dos
doze, um dos confidentes íntimos dos segredos do Nazareno; o pavoroso crime
consuma-se na mesma noite em que Jesus instituira o eterno memorial do seu
amor; o infame delito é remunerado com dinheiro; um ósculo (beijo), o mais
delicado e eloquente sinal do amor, serve de senha para o maior mistério do
ódio e da traição...
Achava-se ainda a quadrilha
inimiga do lado de fora do muro, quando Judas, para não parecer caudilho
(líder) dos esbirros, se adiantou a largos passos, aproximou-se de Jesus,
cingiu-o nos braços (abraçou-lhe) e estampou-lhe na face um beijo dizendo:
“Salve, Mestre!”
Jesus contempla por uns
momentos o semblante de Iscariotes. Pela última vez se embebem as pupilas
límpidas do Nazareno nos olhos torvos (de aspecto carregado) do traidor, assim
como os raios solares penetram nas sórdidas profundezas de um precipício. Pela
vez derradeira ecoa o timbre da sua voz aos ouvidos do apóstata, voz que este
nunca mais tornaria a ouvir por toda a eternidade. Disse-lhe Jesus num tom de
infinita tristeza e caridade: “Amigo, a que vieste?”
A PERGUNTA DE JESUS:
“Amigo, a que vieste?”
Jesus não ignorava, de certo,
o propósito de Iscariotes, pois que, além da sua onisciência, como divino que o
era, algum tempo antes havia denunciado, à mesa da Ceia, Judas como traidor,
ofertando-lhe o pão molhado (João 13: 21-27).
Por que, então, o interroga
aqui?
Porque desejava dar-lhe,
ainda, uma oportunidade para refletir sobre seu ato, sobre seu estado moral e
espiritual e sobre sua sorte, ao persistir na ladeira escorregadia do pecado
hediondo de um maldito fadário (destino), reflexão essa para que se arrependesse,
para que se corrigisse e se salvasse. De fato, a interrogação era como que uma
seta lançada na alma para despertar a consciência adormecida, ou melhor,
cauterizada. Obrigava-o a um olhar introspectivo, um auto-exame de sua situação
e era um como apelo a mudar de rumo, a tomar nova orientação, enquanto ainda
havia tempo, antes que fosse tarde de mais...
Aliás, era esse o seu método
em situações de igual natureza. “Dura cousa é recalcitrares (resistir
desobedecendo) contra os aguilhões (instrumento de suplicio para
os escravos e especialmente para os animais)” (Atos 26:14) – diz Ele a
Saulo de Tarso, em sua fúria no caminho de Damasco (Atos 9:1-16). Ao anjo ou
pastor da Igreja de Éfeso, pelo fato de haver abandonado o primeiro amor,
dirige a exortação para arrependimento, se não, lhe remove o candeeiro
(Apocalipse 2:5): dissolve ou dispersa a Igreja, que é o candeeiro, como diz no
Apocalipse 1:20: “...os sete candeeiros são as sete igrejas”.
A lição é todo oportuna: todo
o tempo é tempo de arrependimento e correção para reconstrução do caráter.
Basta mirar no espelho da Parábola do Filho Pródigo, em que este cai em si,
volta contrito ao pai e se reforma e se transforma e readquire a felicidade
perdida (Lucas 15:11-32).
Oh! Que esta lição seja
acolhida com carinho e se converta em fonte inexaurível (inesgotável) de
bençãos para muitas almas transviadas, que procurem o regaço (colo) amoroso do
Pai Supremo, de nosso Pai que está no céu, mas que vela e se interessa por seus
filhos na terra!...
Notemos, também, o modo de
Jesus tratar o traidor: “Amigo”.
O emprego da palavra “amigo”
aí, é chocante. Poderia acaso ser Judas amigo de Jesus, precisamente no momento
em que consumava a ignóbil traição? Tudo leva a crer que não. Supõe-se que
Jesus tivesse empregado ironicamente essa palavra. Assim: Tu me osculas, e o
ósculo é o símbolo da amizade; és amigo e me traís? Bom amigo!...
Mas, a explicação mais
satisfatória se encontra na palavra empregada por Cristo. Vejamos.
Há, em grego, duas palavras
que podem ser traduzidas por amigo, mas que podem ser bem discriminadas:
a) “Philos”,
que significa literalmente, amigo, no sentido comum de amado, querido,
particularmente considerado e digno de confiança especial. Exemplifiquemos o
emprego desta palavra: Jesus é chamado para curar o servo de um centurião, e
Lucas, registrando o fato, insere esta declaração na narrativa: “...o centurião
enviou-lhe amigos (philos)...” (Lucas 7:6). No caso dos primeiros lugares
ambicionados, aconselha a buscar os últimos e aguardar o gesto honroso do dono
da festa, se o julgar digno disso: “Amigo (philos), senta-te mais para cima”
(Lucas 14:10).
b) “Hetairos”
é outra palavra, e significa literalmente, companheiro, e só em sentido
secundário, lato, pode ser traduzida por “amigo”. Seu emprego discriminado de
amigo, aparece, não raro no Novo Testamento. Exemplos: Na parábola dos
camaradas contratados em diferentes horas do mesmo dia, o primeiro reclama
contra o pagamento igual a todos. E a resposta do patrão foi: “Companheiro (“hetaire”), não te faço injustiça...”(Mateus
20:13). Recebeu o contratado: Nada tinha a reclamar da generosidade dispensada
ao último. No registro da parábola do casamento de um príncipe, o rei
inspeciona os convivas e se dirige a um deles: “Companheiro (“hetaire”), como entraste aqui sem veste
nupcial?...” (Mateus 22:12). No texto Cristo diz: “Companheiro (“hetaire”), a que vieste?
Percebe-se,
agora, mais claro, pela linguagem, o pensamento de Jesus: Chamou Judas de
companheiro, que o era, de fato, porque o acompanhava; mas não o chamou de
amigo, pois que entre companheiro e amigo, há sua discriminação: há amigo que
não é companheiro; e há companheiro que não é amigo. Nicodemos, por exemplo,
era amigo, mas não era companheiro; e Judas era companheiro, mas não era amigo.
Aí está a explicação razoável do modo de
Jesus tratar o traidor: não amigo, mas companheiro.
Notemos, ainda, em conexão com o texto, a
aplicação que se fazia da palavra amigo, desde os tempos remotos.
Além do sentido ordinário, como a
empregamos, era usada em duas expressões interessantes:
a) AMIGO DO REI = Era o nome de distinção que se
dava a um oficial de alta categoria e de toda a confiança do Rei. Exemplo:
“Zabude, filho de Natã, ministro, amigo do rei” (I Reis 4:5), nos dias de
Salomão. Entre os sírios – macedônios, havia uma classe de altos funcionários
denominados – AMIGOS DO REI.
b) AMIGO DO ESPOSO = Em regra, o pai era que
escolhia noiva para o filho. Só excepcionalmente é que o filho a escolhia.
Depois de aceito o pedido, todas as comunicações entre os noivos eram feitas
por intermédio de um indivíduo da intimidade do noivo, indivíduo esse que se
chamava: AMIGO DO ESPOSO. Os noivos só se encontravam na festa nupcial, quando
terminava a missão do Amigo do Esposo, que se alegrava com a consumação do
enlace matrimonial. Em alusão a esse costume, considerando Cristo como Esposo e
a Igreja como Esposa, é que João Batista se coloca na posição de Amigo do
Esposo, e diz: “Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: Eu não sou o
Cristo, mas fui enviado como seu precursor. O que tem a noiva é o noivo; o
amigo do noivo que está presente e ou ouve, muito se regozija por causa da voz
do noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim. Convém que Ele cresça e que
Eu diminua.” (João 3:28)
Tal o emprego da palavra Amigo, nas páginas da
Escritura Sagrada.
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